Davide ou David Perez (Nápoles, 1711 - Lisboa, 30 de outubro de 1778) foi um compositor italiano, que veio para Portugal, a convite do Rei D. José, em 1752, para ocupar o lugar de compositor da Real Câmara e mestre das princesas reais, onde viria a permanecer até à sua morte em 1778.
Durante os 26 anos que esteve ao serviço do monarca português foi a figura central da vida musical da corte e exerceu uma grande influência nos compositores portugueses, entre os quais se destacam João Cordeiro da Silva, João de Sousa Carvalho, Luciano Xavier dos Santos e José Joaquim dos Santos.
Perez compôs mais de 38 obras dramáticas entre 1735 e 1777, tendo
14 destas sido compostas durante a sua estadia em Portugal. É o caso da nova
versão da ópera Alessandro nell'Indie, escrita para inauguração da Ópera
do Tejo, em 1755, cuja partitura autógrafa se conserva na Biblioteca da Ajuda
(B.A. 54-I-83 a 85). No entanto, a sua produção operística diminuiu significativamente
após o terramoto de 1755, devido às restrições económicas que se impuseram,
passando a compor essencialmente música sacra.
O seu reconhecimento ultrapassou as fronteiras de Portugal, sendo
a música de Perez tocada frequentemente em Londres e algumas das árias das suas
óperas impressas pelo editor inglês John Walsh. Em Londres foi também publicada
a sua principal obra de música religiosa, também composta em Lisboa: o Mattutini de’ Morti , editado por Robert Bremner em 1774.
Não se sabe ao certo se a ópera Ezio,
representada pela primeira vez no Teatro Regio Ducal de Milão em 1751, conheceu
alguma produção portuguesa. Apesar de Joaquim José Marques (1947)[1] referir uma representação da obra no teatro de Salvaterra em
1756, Manuel Carlos de Brito considera esta referência duvidosa, pois nesse ano
a família real não se deslocou a este Palácio Real (1989)[2].
A Biblioteca da Ajuda conserva um conjunto muito rico de óperas
setecentistas que reúne as partituras colecionadas pelos monarcas, geralmente
encomendadas através dos embaixadores que se encontravam nas cidades europeias
onde estas grandes óperas se representavam. De igual modo, integra no seu
acervo partituras provenientes dos teatros reais da Ajuda, Queluz e Salvaterra,
encerrados em 1792[3].
Nesta coleção de música, encontra-se um conjunto significativo de obras dramáticas e religiosas de David Perez, contando-se cerca de 25 partituras de óperas que se representaram em Portugal, bem como alguns exemplares de óperas deste compositor que não foram levadas à cena em teatros portugueses, de entre os quais se inclui um volume, até hoje catalogado como anónimo, que, graças à investigação de Cristina Fernandes, ficámos a saber se trata do 3.º acto da ópera Ezio (fig. 1).
Fig. 1 [Ezio] : Atto Terzo [de David Perez. 1751]. (B.A. 47-V-61)
Deste modo, o volume agora identificado poderá ser uma partitura usada para uma possível representação no Teatro de Salvaterra, que foi conservada na Biblioteca da Ajuda, após o encerramento deste teatro em 1792, ou pertence ao conjunto de óperas de Perez conservadas na Real Biblioteca, fruto do colecionismo informado dos monarcas.
Cristina Fernandes,
investigadora do INET-md, NOVA FCSH, apresenta-nos o resultado da sua profunda pesquisa
num artigo recentemente publicado na Revista Berceo[4],
através do qual percebemos que a fonte principal para esta descoberta foi uma
antologia de árias da ópera Ezio de
David Perez conservada no Arquivo da Catedral de Calahorra, que é o documento
mais completo que nos permite conhecer a música desta ópera, já que não se
conhece a partitura original estreada em Milão, em 1751. Existem igualmente
algumas árias impressas por John Walsh, referentes à representação que se fez
em Londres na temporada 1754-55, e outras que estão descritas no catálogo RISM.
Mas foi da comparação com o libreto e os incipits musicais das árias da
antologia conservada na Catedral de Calahorra, que a investigadora pôde
verificar que o volume da Biblioteca da Ajuda, até hoje indicado como obra
anónima, corresponde ao terceiro acto desta composição.
O volume da Biblioteca da Ajuda não
contém as três primeiras árias do libreto original, mas as restantes estão
presentes, incluindo os respectivos recitativos. Por outro lado, a
instrumentação da antologia de Calahorra limita-se às cordas, enquanto a do
manuscrito da Ajuda inclui trompas e oboés. Outra particularidade deste
documento, evidenciado por Cristina Fernandes, refere-se o facto de este apresentar
várias mãos na escrita musical, mas que nenhuma destas grafias corresponde aos
copistas da corte de Lisboa da época.
O exemplar em análise consiste na compilação de diversos cadernos de papel de origens diferentes, utilizando tintas diversas conforme a mão que os copiou e apresenta-se brochado com pastas em cartão forradas a papel marmoreado de fabrico italiano da primeira metade do século XVIII. A pasta anterior e alguns fólios revelam algumas manchas de queimado e a lombada encontra-se coberta por uma folha de papel pardo, provavelmente numa tentativa de recuperar a lombada original em pele que estaria em mau estado. Algumas árias apresentam rasuras, emendas e cancelamentos.
Curiosamente, apesar de este volume figurar como obra anónima no Catálogo de Música Manuscrita da Biblioteca da Ajuda[5], Fernandes, na sua análise, identifica na ária “Ah non son io che parlo” (f. 44) a indicação da autoria de David Perez e a referência ao nome da soprano que participou na estreia de Milão, “Sig.ra Aschieri” (fig. 2).
Fig. 2 - Ária “Ah non son io che parlo”
da ópera Ezio de David Perez [1751]
(B.A. 47-V-61, f. 44)
Embora se trate de uma obra incompleta, pois apenas se identificou o 3.º acto, esta investigação de Cristina Fernandes é muito importante para um melhor conhecimento deste conjunto documental tão rico para o estudo dos repertórios setecentistas, que é a Coleção de Música da Biblioteca da Ajuda, com ainda tanta informação por desvendar.
Fig. 4: Pasta anterior da partitura de [Ezio] :
Atto Terzo [de David Perez. 1751]. (B.A. 47-V-61)
[1] Marques, Joaquim José (1947) Cronologia da ópera em Portugal. Lisboa : A Artística.
[2] Brito, Manuel Carlos (1989) Opera in Portugal in the Eighteenth Century. Cambridge : University Press
[3] Os Teatros reais foram encerrados em 1792 depois de um episódio de demência da rainha D. Maria I, quando esta assistia a uma representação no Teatro de Salvaterra (BRITO, 1989).
[4] Fernandes, Cristina (2022) De los Escenarios Europeos a las Iglesias Ibéricas : Una Fuente para la Ópera Ezio de David Perez en el Archivo de la Catedral de Calahorra. Berceo : revista riojana de ciencias sociales y humanidades. ISSN: 0210-8550. N. 183 (2.º Sem., 2022), pp. 37-54. Disponível em linha [aqui]
[5] Santos, Mariana A.M. (1959) Catálogo de Música Manuscrita. Lisboa : Biblioteca da Ajuda. Vol. 2, p. 46, n. cat. 779