Carnaval

Corsos, festas, bailes e outras diversões afins marcam os três dias de Carnaval ou Entrudo, cuja origem terá raízes nos festivais realizados na Grécia (Festas Dionisíacas), Roma (Festas Lupercais; festival do Navigium Isidis) bem como noutros festejos medievais (Festa dos Loucos) bem documentados e retratados, nas suas diferentes vertentes artísticas, pela história.

Apesar das suas tradições pagãs o Carnaval, a partir de 1582, por força da remodelação do calendário Juliano, pelo Papa Gregório XIII, passa a ocorrer 47 dias antes da Páscoa, em tempo da Septuagésima (ou pré-quaresma) ficando, de forma indelével, associado ao calendário litúrgico. 

Os três dias, ou cinco mais recentemente, do Carnaval terminam na quarta-feira de cinzas, ou dia do enterro do entrudo, que dá início à quaresma que, por oposição, determina que todo e qualquer prazer mundano “deve” ser substituído pela abstinência, orações e práticas penitenciais que antecedem a Páscoa.

A Biblioteca da Ajuda tem no seu acervo diversos documentos, de origens e datas diversas, que atestam da relevância destes festejos:


1694, 20 de Fevereiro, Porto
Carta de Manuel da Silva Francês, capelão, para D. João de Sousa, Bispo do Porto, acerca de assuntos diversos de entre os quais a transferência do jejum da vigília de S. Matias por cair em dia de Entrudo.  (Ms. Av. 54-VIII-7, n.º 31)


1812, Março 21, Rio de Janeiro
Carta de Luís dos Santos Marrocos [bibliotecário régio que, com a livraria Real, foi para o Brasil] para a imã, Bernardina Maria da Conceição, com notícias de carácter particular nomeadamente acerca do "(...) Entrudo horrível (...)" (Ms. Av. 54-VI-12, n.º 17).

                                                             


1846, Fevereiro 4, Paço de S. Vicente
Edital de D. Guilherme I [ Henrique de Carvalho], Patriarca de Lisboa, pelo qual se faz saber que houve uma transferência da vigília e jejum de S. Matias, para o sábado antes do domingo  da quinquagésima (21 de Set.) por, a dita vigília e jejum, caírem no Carnaval. (Ms. Av. 54-XIII-36, n.º 31)


 
                               

                             1857, 29 de Janeiro, Real Colégio Militar em Mafra



Ordem n.º 16 [cópia autenticada], do Diretor do colégio militar, Francisco Pedro Celestino Soares, para que os lentes, professores e comandantes de companhias, dêem o nome de 3 colegiais menos aplicados em cada aula, e dos 3 mais incorrigíveis da cada companhia, a fim de serem privados dos divertimentos do Carnaval se, até essa data, não derem provas de emenda (...). (Ms. Av. 54-XI-44, n.º 51)




1874, Fevereiro 5, Lisboa
Alvará do Governo Civil de Lisboa, assinado por Henrique da Gama, a permitir que Francisco José Gonçalves, e mais outras 19 pessoas, possam percorrer as ruas e praças de Lisboa, concelhos de Belém e Olivais nos 3 dias de Carnaval, dançando e tocando instrumentos, desde que respeitem a moral e não impeçam o transito. (Ms. Av. 54-XI-3, n.º 108)




Em Fevereiro de 1865, no Carnaval, a Rainha Maria Pia organizou, no Real Paço da Ajuda, um baile de máscaras para o qual usou 3 Trajes diferentes: Maria Tudor, para abertura do baile, Escocesa e por último Dominó.
Mais..... [Aqui]







Zoroastro, Confúcio e Maomé...


Zoroastre, Confucius et Mahomet, comparés comme Sectaires, Législateurs, et Moralistes; avec le Tableau de leurs Dogmes, de leurs Lois et leur Morale / par M. de Pastoret.  - A Paris : chez Buisson, 1787.
BA - 31- IV- 11

A obra em apreço, integrante do acervo desta biblioteca, da autoria de M. de Pastoret e publicada em Paris, no ano de 1787, é um estudo pormenorizado e comparado sobre três religiões, cuja importância, sempre atual, merece a nossa atenção e consequente reflexão.




"O que lavra a terra com dedicação tem mais mérito religioso do que poderia obter com mil orações sem nada fazer. Age como gostarias que agissem contigo."

    Zoroastro



Das religões aqui tratadas, o Zoroastrismo é, porventura, a que menos referências suscita ao leitor ocidental, hoje, apesar de a sua emergência ter constituído um ponto de viragem determinante na evolução ideológica da humanidade e, bem assim, pela influência efetiva que teve nos sistemas de crenças do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo.Dedicamos-lhe, por isso, umas brevíssimas linhas:

Religião pré-islâmica, esta é, também, uma das mais antigas religiões monoteístas, sendo dúbia a datação da sua fundação, dada a escassez de documentos e de provas arqueológicas.

Interpretações comparadas, na área da linguística, com os textos sagrados Hindus – os Rig Veda -, sugerem que a sua emergência tenha ocorrido entre 1200 – 1500 AC.

As noções de paraíso e inferno, de luta entre o bem e o mal, de dia do julgamento final e da revelação, de livre escolha, de messianismo, de anjos e demónios, foram ensinamentos de Zaratustra, o fundador do Zoroastrismo e profeta da vitória da verdade, em nome do deus Ahura Mazda.

O que se sabe, de facto, sobre esta religião encontra-se na coleção de hinos Gathas, constantes dos textos do Avesta – o seu livro sagrado -, que sobreviveram de uma única cópia produzida no período do Império Sassânida (224-651), o último Império Persa pré-islâmico.

Ciro, o Grande, primeiro rei da Pérsia e o libertador dos escravos da Babilónia (539 a.C), decretou – mediante registo num cilindro de argila, em escrita cuneiforme e em língua acádica - a liberdade de escolha religiosa e estabeleceu a igualdade de etnias.

Conhecido hoje como o Cilindro de Ciro, foi reconhecido, há poucos anos, como a primeira carta dos direitos humanos, sendo que os quatro primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU) são idênticos aos estipulados no referido Cilindro.

É de referir que os Judeus foram diretos beneficiários desta libertação, por lhes ter proporcionado o muito desejado regresso do exílio para Jerusalém.

O Judaísmo pós-exílio deixou-se influenciar favoravelmente pela filosofia Zoroastrista, o que, mais tarde, favoreceu, também, uma abertura a outros sistemas de crenças Ibraímicas.

Muitos são os fatores que – não nos compete, aqui, enunciar – contribuíram, ao longo dos séculos, para a redução drástica dos seus crentes e praticantes do Zoroastrismo.



O seu lastro filosófico, contudo, é de importância maior, em particular para o mundo moderno ocidental: Assim Falava Zaratrusta, tratado de filosofia de Friedrich Nietzsche (1885), e o poema sinfónico com o mesmo título [Op. 30] e nele inspirado, de Richard Strauss (1896) são dois grandiosos exemplos dessa poderosa influência.

Na atualidade, existem, ainda, dois grupos de Zoroastristas: Os Iranianos e os - não por acaso - designados Parsis; os primeiros ainda residentes no Irão e os segundos, maioritariamente, na Índia, tendo, também, alguns destes emigrado para o Ocidente.


Sobre o Confucionismo, a filosofia sem deus, e o Maometanismo – o mesmo que Islamismo - poderemos ocupar-nos em breves textos futuros.


Ana Madureira
Biblioteca da Ajuda

Um manuscrito e os seus impressos: um diálogo dos “Jesuítas na Ásia"

Uma das colecções mais conhecidas e há mais tempo trabalhadas da BA, os 61 códices dos “Jesuítas na Ásia”, continua a proporcionar aos seus leitores algumas (boas) surpresas. A que hoje partilhamos aqui é o “encontro” com um documento que, por não estar referido ao seu A. no guia da colecção, tem tido uma ‘vida discreta’ no interior dos mais de 9.000 documentos que compõem a colecção e é ele o texto do P. Prospero Intorcetta “Scientia sinarum politico-moralis” [Ciência político-moral chinesa] com a tradução latina do Zhong Yong ou, na transliteração do A., Chum Yum, “O médio constante”, numa tradução directa do latim ou a “Doutrina do Meio” na sua tradicional referenciação em português.

Um dos 4 textos fundamentais do Confucionismo foi, a par dos Analectos [Lún Yun] e do Grande Ensinamento [Da Xué], a base da aprendizagem e conhecimento da língua-cultura chinesas dos missionários jesuítas da China, principalmente após a fixação da missão em Pequim com Ricci e a supervisão de Valigniano. Os 4 clássicos confucionistas são traduzidos como forma de aprendizagem da língua e cultura chinesas pelos missionários e simultaneamente considerados como veículo de transmissão das ideias cristãs (após Ricci).


É neste contexto que o P. Prospero Intorcetta (1626-1696) que chega à China em 1659, com o P. Phillipe Couplet, ocupando-se da missão de Jiangnan (actualmente Nanchang, Prov. de Jiangxi) se dedica ao estudo da filosofia chinesa, língua que vem a dominar em alguns anos. Precedida por apontamentos sobre os 4 livros do Confucionismo (1662), é publicada uma pequena obra impressa com a tradução latina do Zhōngyōng, uma pequena biografia de Confúcio e uma introdução ao confucionismo e seus intérpretes que constituem a primeira divulgação em língua europeia do pensamento filosófico chinês dominante, antecedendo em 18 anos a grande obra colectiva jesuíta Confucius sinarum philosophus sive scientia sinensis latine exposita, publicada em Paris, em 1687 e que obteve enorme sucesso (BA 39-XIV-1).

Este texto inicial de Intorcetta, impresso parcialmente em Cantão e a maior parte em Goa, tem por título geral Sinarum Scientia politico moralis e é actualmente um impresso muito raro em bibliotecas europeias. Uma grande parte da tradução e comentários será depois integrada e publicada no Confucius… embora tenha conhecido uma publicação em francês, sem os caracteres chineses da edição de Goa, numa recolha de Relatos de Viagens publicada em 1672, por Mechisedet Thevenot, a partir de fontes manuscritas, europeias e orientais, inéditas, com uma tradução francesa da biografia de Confúcio (BA 95-VI-17, vol. 2).

     
É a cópia manuscrita da edição goesa do texto do P. Intorcetta que integra as fls. 362-397, do códice 49-V-15, mantendo os espaços para a fixação dos caracteres chineses que a edição francesa e a latina de Paris, mais conhecida, não incluem.*
A cópia jesuíta apresenta-se, assim, como uma alternativa em solo nacional para o contacto com uma das primeiras traduções em latim dos textos confucionistas e uma das primeiras fontes da sinologia europeia. A sobrevivência deste texto na sua cópia do séc. XVIII que integra os Jesuítas na Ásia, impôe-se como uma das formas mais directas de acesso ao universo cultural e intelectual em que se iniciou o intercâmbio da Europa iluminista com a milenar civilização chinesa e a intercomunicação das suas categorias de pensamento, por recurso às fontes mais próximas do mesmo.

Não havendo nenhuma informação directa sobre se o original seria o texto impresso em Cantão e Goa, o manuscrito autógrafo do P. Prospero Intorcetta, ou outra cópia deste original guardada no arquivo do Colégio da Madre de Deus, em Macau, reafirma-se a relevância desta colecção da Biblioteca da Ajuda e a validade da afirmação de Francisco Cunha Leão: “A obtenção de treslados ou a simples transferência de documentos originais proporciona como que um rito de passagem na existência material e subjectiva dos documentos visados, na medida em que, como no caso presente do núcleo original dos Jesuítas na Ásia, o documento de arquivo, assumindo a forma de treslado em maços e códices, «transforma-se» em manuscrito conservado em biblioteca (...). Supomos que adquiriu, nesta acepção, pela sua antiguidade a natureza de documento literário e histórico, (...) coexistindo materialmente a par dos espécimes impressos.” [Jesuítas na Ásia : Catálogo e Guia, Lisboa/Macau, 1998, vol. 1, p. XI].


* Sobre as traduções confucionistas do P. Prospero Intorcetta e descrição do impresso de Goa, veja a lição do Prof. Vincenzo di Giovanni em Atti della Accademia di scienze, lettere e arti di Palermo ..., Volume 4 , acessível em Googlebooks aqui. 

FG@BA

AVISO

Devido à realização de actividade do Ministério da Culturaa Biblioteca da Ajuda estará encerrada, à leitura, no dia 5 de Fevereiro (quarta-feira), até às 13h00. 

      Pedimos desculpa por eventuais transtornos