Nos 480 anos da chegada dos portugueses ao Império do Sol

Na sequência da visita à Biblioteca da Ajuda (BA) de S. Exa. o Senhor Embaixador do Japão, Oto Makoto, assinalamos os 480 anos da chegada dos portugueses ao arquipélago do Japão, abordando, ainda que muito sumariamente, um conjunto de obras raras pertencente ao acervo da Biblioteca da Ajuda relacionadas com a cultura nipónica.

MNAA 390 PINT
S. Francisco Xavier ajoelhando-se perante
D. João III, antes de partir para a índia

No ano de 1543, há 480 anos, chegavam os portugueses à ilha de Tanegashima, no Japão. Sendo os primeiros europeus a aportar àqueles territórios do Pacífico estabeleceram, desde logo, intensos relacionamentos culturais e trocas comerciais, com os povos daquelas longínquas paragens.

As missões católicas que se deslocaram para o Oriente, cumprindo o desígnio de expansão da fé, foram naqueles territórios, elos fundamentais entre a Coroa e as populações, investindo desde logo, no conhecimento das línguas e cultura locais, como instrumentos primordiais de um programa de evangelização mobilizador, sempre presente.

Nesta tarefa de sedimentação da presença cristã, de entre todas as Ordens, destacou-se a Companhia de Jesus. Criada em torno da figura de Santo Inácio de Loyola (1491-1556), em 1540, pela Bula Regimini Militantis Eclesiae, de 27 de Fevereiro, “a sua primeira actividade apostólica foi ao serviço da Coroa Portuguesa”[1], tendo chegado a regiões distantes do espaço europeu, como a China, ou o Japão. 


São Francisco de Xavier (1506-1552), seguindo a utopia fundadora da Ordem, e a pedido do rei D. João III (1502-1557), parte para o Oriente em 1541, solicitando, contudo, ao monarca que “assumisse todas as consequências das responsabilidades missionárias que lhe advinham do Padroado concedido aos reis de Portugal”[2]. Chegado ao Japão em 1549, dá os primeiros passos num processo de encontro com a complexa e misteriosa cultura e sociedade japonesas, morrendo em Goa, no ano de 1552. Não chegou, porém, a entrar nos territórios da China, mas, nem por isso a sua “aventura humana e espiritual”, a sua peregrinação, deixou de ser culturalmente influente.

(BA 104-I-47)


O fascínio exercido pela missão jesuítica levou outros membros da congregação a aventurarem-se pelo Oriente longínquo, seguindo o ideal apostólico da Ordem, na dupla vertente educativa e evangelizadora. O conhecimento das línguas autóctones era, neste domínio, instrumental à prossecução do objectivo de “fazer muito serviço a Deus Nosso Senhor”, ou segundo a divisa de Santo Inácio “ad majorem Dei gloriam”. Deste encontro de realidades tão distintas resultaram testemunhos de uma relação intensa e profícua que prevalece para além dos reveses que a obra missionária sofreu, ou, como refere Eduardo Lourenço, de um “fracasso” na cristianização do Oriente, em particular da China e do Japão[3].

No que respeita ao Japão, após um momento inicial de curiosidade e fascínio mútuos, e de um bom acolhimento, que muito favoreceu os mercadores, beneficiários do primeiro trabalho “de heroica temeridade” levado avante pelos missionários, seguiu-se um período de desconfianças e receios que estiveram na origem dos diversos éditos proibindo a evangelização naqueles territórios. Decretados depois de 1587, foram assumindo maior radicalidade com a chegada dos mercadores holandeses aos portos japoneses, no ano de 1600. Os receios gerados nos “shoguns”, quanto aos verdadeiros motivos da presença cristã nos seus domínios, levou a uma política persecutória, de “execução de cristãos, que recusavam renegar a fé”, resultado de uma estratégia política seguida pelo regime Tokugawa”, fundador do xogunado, e que, assente na centralização da “autoridade governativa”, tinha nos “daimyõ” (guerreiro de província)[4] uma extensão do seu poder. Neste capítulo, a influência holandesa foi determinante, pois “a fim de destronar a supremacia comercial dos portugueses e dos castelhanos (…) afirmaram o seu desinteresse pela evangelização (…) e alimentavam a todo o momento a ideia de que a presença dos missionários no arquipélago se tratava de uma etapa prévia à conquista militar idealizada pelo monarca ibérico (…)”[5].

SANDE, Duarte de, S.J.

De missione legatorum iaponensium ad romanam curiam rebusq’ in Europa ac toto itinere animaduersis: dialogus / ex efeméride ipsorum legatorum collectus & in sermonem latinum versus ab Eduardo de Sande sacerdote Societatis Iesu. – In Macaensi portu Sinici regni : in domo Societatis Iesu, 1590. BA 50-X-20

Exemplar raro da imprensa inicial de Macau, sobre a viagem de 4 Dáimios ao Papa

 


Ao “fracasso” da acção evangélica, opôs-se, por seu lado, a perenidade da influência cultural, muito vasta, da arte à língua, que se traduziu num legado de estudos sobre os idiomas, já que, a cristianização, “antes de se fazer em tâmul, em malaio, em japonês, pelo próprio Francisco de Xavier, ou com a ajuda de intérprete, far-se-à em português, não apenas para os súbditos de Portugal (…) mas para aqueles para quem a nossa fala podia servir de língua franca”[6]. A elaboração de vocabulários, gramáticas e catecismos, era parte do serviço prestado pelos jesuítas, na afirmação catequética, e por exemplo no caso da obra de João Rodrigues (1558, 1560 ou 1561 – Macau, 1633 ou 1634), padre, linguista e tradutor (Tçuzu), de entre a qual se destaca Arte de Lingoa de Japam, impressa em Nagasaki (1603-1608), é ainda hoje considerada uma referência para o estudo do japonês arcaico.


     

“Vocabolario da lingua de Japão com a declaração em portugues, feito por alguns Padres, e Jrmãos da Companhia de JESU. Com Licenca do Ordinario, e Superiores em Nangasaqui no Collegio de Japão da Companhia de JESUS ANNO de 1593”.  [cópia João Álvares, 1747, s. l.]. BA. 46-VIII-35

[à margem: “Esta tresladada do livro Empresso que esta na secretaria da Provincia de Japão do Collegio de Macao, hoje 22 de Agosto de 1747. João Alvares"].

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Arte breue da lingoa iapoa tirada da arte grande da mesma lingoa pera os que começam a aprender os primeiros princípios della/ pelo Padre Ioam Rodrigues da Companhia de Iesu … . – Em Amacao: no Collegio da Madre de Deos da Companhia de Iesu, 1620. A primeira gramática da língua japonesa (1604). BA. 50-XI-3
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Podemos dizer com Eduardo Lourenço “Talvez tenha falhado o sonho (de Francisco Xavier), mas de todo o não falhou pois a Europa está há muito no Japão e o Japão na Europa”[7].

MMB

[1] SEABRA, Leonor Diaz, MANSO, Maria de Deus Beites, “Ensino e Missão Jesuíta no Oriente”, p. 85. Disponível em https://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/8852/3/Artigo.pdf. Consulta em 31.01.23.

[2] GONÇALVES, Nuno da Silva, Provincial da Companhia de Jesus, “Fazer muito fruto”, São Francisco de Xavier a Sua Vida e o Seu Tempo (1506-1552), cat. da exposição, Comissariado Geral das Comemorações do V Centenário do Nascimento de S. Francisco Xavier, Lisboa, 2006, p. 17.

[3] LOURENÇO, Eduardo, “Fé de Império e Império da Fé”, São Francisco de Xavier a Sua Vida e o Seu Tempo (1506-1552), cat. da exposição, Comissariado Geral das Comemorações do V Centenário do Nascimento de S. Francisco Xavier, Lisboa, 2006, p. 21.

[4] CURVELO, Alexandra, PINTO, Ana Fernandes, “O martírio de cristãos no Japão uma estratégia dos Tokugawa”, Revista Lusófona de Ciências das Religiões – Ano VII, 2009/ nº. 15 – 147-159, pp. 147-148.

[5] Idem, Idem, p. 151.

[6] LOURENÇO, Eduardo, “Fé de Império e Império da Fé”, São Francisco de Xavier a Sua Vida e o Seu Tempo (1506-1552), cat. da exposição, Comissariado Geral das Comemorações do V Centenário do Nascimento de S. Francisco Xavier, Lisboa, 2006, pp. 22-23.

[7] LOURENÇO, Eduardo, “Fé de Império e Império da Fé”, São Francisco de Xavier a Sua Vida e o Seu Tempo (1506-1552), cat. da exposição, Comissariado Geral das Comemorações do V Centenário do Nascimento de S. Francisco Xavier, Lisboa, 2006, p. 25.

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