O tema da educação dos príncipes, presente em títulos célebres desde o séc. XVI ("Espelho de virtudes", "Espelho de um Príncipe cristão" ….), evoca imediatamente o "contraponto natural" da instrução associado aos tempos livres dessas tarefas pedagógicas e que se condensa num verbo: BRINCAR. Focando-nos na infância dos que vieram a ser os últimos habitantes permanentes do Paço da Ajuda – D. Luís e D. Afonso – e do seu irmão mais velho – D. Pedro V - que incarnou o modelo do Príncipe esclarecido, moderno, aberto às inovações mecânicas e organizacionais e atento ao evoluir da história num século de transformações críticas na política, economia e sistema social e deparamo-nos com uma falha de testemunhos circunstanciados das suas brincadeiras habituais. O "Diário" do mestre de Latinidades dos infantes, Francisco António Martins Bastos (BA 51-XII-44), instrumento fundamental para aceder à esfera privada e familiar do paço real, à época nas Necessidades, é bastante pormenorizado no espaço consagrado à instrução formal diária mas pouco detalhado na ocupação dos tempos livres que muitas vezes são remetidos para o tempo de férias em Mafra e Sintra ou para referências de actividades que se desenrolam após o tempo diário de estudos e que são apenas apontadas como tempos livres passados no exterior em passeios e actividades dinâmicas (caça, cavalgadas, procura e recolha de espécies naturais…) ou no interior em actividades lúdicas em família (música e canto, desenho, leitura..). Os paços da família real incluem também para uma área física onde se desenrolam estas actividades familiares e que ainda hoje é visível: a sala de jogos de Mafra, com os seus 'campos' de futebol de manejo e outros 'acessórios' desta ordem, muitos importados, ou as salas de Mármore e do Bilhar na Ajuda.
Um destes indícios materiais das actividades lúdicas dos príncipes é uma peça muito curiosa, integrada na colecção da BA onde tem a localização 35-XV-11, e que atesta um conjunto de afirmações sobre a educação dos infantes no séc. XIX: um jogo, semelhante ao da "Glória" e que tem por objectivo a aprendizagem e treino de matemática. "Aprender, brincando" é uma fórmula pedagógica da modernidade e que ao aplicar-se directamente a esta peça lúdico-pedagógica dá conta da novidade dos ideais educativos da Família Real no seu espaço íntimo. A atenção à educação e às suas consequências directas na reconstrução de uma nação e de um povo tornam-se marcas maiores do programa régio de D. Maria II – cujo epíteto de "A Educadora" abarca as dimensões pública e privada da sua actuação - e de D. Pedro V, exposto por dever e gosto aos princípios de uma educação simultaneamente de rígida instrução livresca e livre actuação na natureza, de severo equilíbrio entre o estudo sério e árido e as aplicações práticas e lúdicas desse mesmo estudo nas vertentes científicas. Tal como para aprender Ciências Naturais os infantes construíram um Museu de curiosidades vegetais e animais que recolheram previamente ou que lhes foram oferecidos para satisfazer este seu passatempo, o cálculo aritmético simples é o cerne de um jogo colectivo de tabuleiro em que imaginamos várias crianças brincando empenhadamente. Sinal de uma educação moderna em que o lazer, a brincadeira, os tempos livres são partes fundamentais de uma educação completa que compreende a instrução mas a ela não se limita, em que BRINCAR pode ser uma dimensão do APRENDER. E se hoje esta é uma afirmação corrente e inócua é ao final do séc. XVIII / início de XIX que a devemos com a mudança da imagem da infância e a valorização da liberdade, do corpo e do lazer.