Cancioneiro Minhoto / Prof. Gonçalo Sampaio

Cancioneiro minhoto [Música impressa] / pref. Gonçalo Sampaio.
[S.l. : s.n.], 1940 (Porto : Costa Carregal). - 213, [3] p.
138-I-60 (BAJUDA)



A Maria Noba
Como bai bonita
De seu lenço nobo
 E saia de chita
(“Maria Noba”, Ponte de Lima)



   
José Vilaça, em “Antelóquio” à obra em título, esclarece, no que ao facto de este Cancioneiro ter sido publicado em “falar minhoto”, apaixonadamente defendido pelo G. Sampaio:

A grafia literal tinha que ser conforme a linguagem minhota, apesar de o original não ser uniforme. Apareceram muitos vocábulos ora à minhota, ora na grafia oficial, conforme o exigia a música ou calhava de escrever. Mas todos quantos de perto lidavam com o Mestre (minhoto incorrigível, como alguém lhe chamou) sabiam que tinha em mente uniformizá-la.”



 Nen chobe nen faz calor,
Nen chobe nen faz orbalho;
Menina, se há-de ser minha
Num me deia mais trabalho

 (“Eu benho d’ali”, Póvoa de Lanhoso)


Publicado em 1940, por Gonçalo Sampaio, este cancioneiro, uma recolha exaustiva e estudo rigoroso, eternizou no prelo o que o tempo, em muitos casos, se encarregaria de fazer definhar ou adulterar.

Cantos dos velhos romances (a uma ou duas vozes), cantos coreográficos (também, por vezes, dançados, interpretados por rondas – orquestras populares – constituídas por cavaquinhos, viola braguesa ou viola de arame, rabecas ramaldeiras e ferrinhos), as modas de romaria e as modas de ternos (a quatro ou cinco vozes), também chamadas “modas de lotes”, constituem os grupos principais desta obra, a que se juntam cantos religiosos e toadas, de difícil classificação, também editorial.

Nestes grupos encontram-se canções adstritas a trabalhos no campo, a saber: Toadilhas de aboiar (para chamar o gado: “Ei lá, boi, devagarinho! O labrador gosta de binho”), Coro das Maçadeiras (coro de raparigas que maçavam o linho, já eram populares em Braga desde o séc. XVI), e por vezes dançadas: Viras

                                    Bira
Ó bira, birou,
muito biradinho;
na cama dos noibos
lençois de paninho
                                  
(“com várias subdivisões: chulas, maias, vareiras, malhões, regadinhos,) e fandangos (galego-minhotos).

Refira-se, por curiosidade, que o escritor portuense AlbertoPimentel (1849-1925), autor, entre outras, da obra “Portugal de Cabeleira”(1875), sustentou que a conhecida Caninha Verde só se podia explicar como uma vaga reminiscência do mito de Sírinx e Siringe, ninfa que se transformou em caniço - quando perseguida pelo lúbrico Pã - para deste se livrar. Assim “nasce” a flauta de Pã ou, como se chama(va) no Minho: gaita de capador.

Os textos das canções estão contextualizadas em respectivas partituras, registadas na versão que o autor recolheu / fixou e, bem assim, a localidade em que “adregava de ser colhida”.

Nesta obra fica patente, também para memória futura, a fisionomia cultural do(s) povo(s) de uma região com raízes recônditas, mas em incessante rejuvenescimento  criativo.

Refira-se que alguns temas - então actuais e, posteriormente, de valor histórico e cultural - eram objecto de profícua criação melódica, de que é exemplo a “moda de romaria” Gungunhana, da qual se transcreve o seguinte excerto:

                                               O rei prêto Gungunhana
                                               É parente de Jacó
                                               Home de sete mulheres
                                               Agora nen ua só
 As mulheres de Gungunhana
Tamén foro castigadas;
Foro para Cabo Berde
Tôdas sete degradadas
                                                Ai, ai! Que me rasga a saia,
                                               Num me agrada a brincadeira;
                                               Se casei pra trabalhar
                                                                 Mais balia ‘star solteira


A Vitorino Nemésio (1901-1978), em Viagens ao Pé da Porta (1967), pedimos emprestadas as seguintes palavras sobre o Minho:


O senhor abade e o fidaurgo da quinta dos vales do Lima, do Minho e do Vez ainda são seus oráculos: sempre, porém, ouvidos com o íntimo sentimento de que cada um no seu lugar cuida de si mesmo -- e bonda... Com isto, a paz da honesta abundância ainda conhece bucólicas como a do quinchoso de Alvapenha do romance de Júlio Dinis. Os cães ladram nas testeiras das quintas, são mesmo de má cara em Castro Laboreiro, mas o almocreve vai passando, como passa a roga e o rancho de Zé Pereira. De Ponte de Lima a Caminha e Monção vai havendo lugar para todos, uma malga de caldo verde, um naco de broa e às vezes uma caneca em que crepita o verdasco. Quando o não há, o minhoto toma pacatamente um paquete no porto de Leixões e espera-lhe pela volta com uma confiança inabalável. Portugal não fica arredondado sem ele.”

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