retrato de Nicolas Taunay |
A Biblioteca da Ajuda é uma das mais antigas Bibliotecas de Portugal caracterizando-se, pela natureza e riqueza dos seus fundos, como uma Biblioteca Patrimonial que tem por objecto a conservação, estudo e divulgação do seu acervo documental
Recordamos hoje: A Infanta Maria Teresa de Bragança
Camões na BA: a edição de Os Lusíadas do Morgado de Mateus"
Uma das mais conhecidas edições de Os Lusíadas é a preparada – e paga – pelo Morgado de Mateus, publicada em 1817, em Paris, numa edição não comercial.
A ideia de preparar uma edição de luxo desta obra, que materialmente fizesse jus ao elevado conteúdo que reconheceu neste marco literário, ocupou-o durante mais de uma década e sobre este seu propósito escreveu:
“O mais ardente patriotismo, e a minha admiração por Camões me fizeram unicamente entrar nesta empreza. Retirado dos negocios publicos, e do serviço do meu Soberano, e chegado ao outono da vida, com huma saude arruinada, pensei que na minha situação, não poderia fazer cousa mais agradável á minha Patria, do que dar-lhe huma boa edição daquelle Poema, que he o maior monumento da gloria nacional. Espero pois que Ella receba benignamente esta derradeira prova do amor que sempre lhe pro-/ p. XLVIII/ fessei, e professarei, podendo com a mão na consciência dizer-lhe, neste fim da vida:
Preclara conscientia sustentor, cum cogito me de Patria aut bene meruisse, cum potuerim, aut certè nunquam nisi divinè cogitasse. (Cicero ad Attic.)
Paris, Setembro de 1816.”
In Os Lusíadas do Morgado de Mateus, Paris: Firmin-Didot, 1817, pp. XLVII/XLVIII (“Advertência”)
Determinada a ideia procurou durante vários anos os melhores técnicos de impressão para a execução do projeto, vindo a estabelecer contrato com nomes importantes da pintura e gravura do seu tempo e um impressor que se dedicou à ideia do Morgado e com ele criou a edição de luxo de 210 exemplares, que foi toda oferecida. Sobre o processo de feitura da edição de 1817, lembremos também aqui as palavras do Morgado:
"Para que esta edição enfim fosse digna do nosso Poeta, e da Nação, empenhei Mr. Firmin Didot (que une á conhecida superioridade na sua arte, o amor das bellas-lettras, o conhecimento dos clássicos, e a cultura da poesia) a encarregar-se da impressão; o que elle fez com o maior desvelo, gravando, e fundindo novos caracteres na sua oficina typographica para esta edição, e vigiando elle mesmo comigo a sua execução, e correcção, ao ponto que espero se não achará hum erro typographico. Eu não /p. XLVII/ conheço edição, mesmo das melhores, que deles seja isenta.
Convidei Mr. Gerard [François G., barão, 1770-1837], membro do Instituto, famoso pintor de que a França se honra, bem conhecido na Europa pelo seu engenho, e juízo que distinguem as suas composições, e painéis históricos, para dirigir os desenhadores e gravadores de estampas que ornam esta edição; … ; encarregando-se elle mesmo do retrato de Camões.”
In Os Lusíadas do Morgado de Mateus, Paris: Firmin-Didot, p. XLVI-XLVII (“Advertência”).
A Biblioteca da Ajuda possui 3 exemplares desta edição, diferenciados nas encadernações e restantes ornamentos onde, curiosamente, se deteta 1 variação tipográfica (gralha) nos versos da p. 333 dos exemplares com as cotas 50-XV-24 e 134-III-12.
Cortes decorados do ex. 50-XV-24
Encadernação do ex. 50-XV-16
Para saber mais sobre a edição: [aqui]
Deixamos, abaixo, link para o registo da obra, da Prof. Anne Gallut-Frizeau, Le Morgado de Mateus, Editeur des Lusíadas, já publicada em português, profunda conhecedora de D. José Maria de Sousa, Morgado de Mateus, e da sua edição monumental "Os Lusíadas".Registo da obra de Anne Gallut [aqui]
FG & CPB @BA
Recordamos hoje: D. Carlota Joaquina (1775-1830). Uma Rainha em tempos de mudança
No dia 25 de Abril de 1775, nascia, no Palácio Real de Aranjuez, D. Carlota Joaquina de Bourbon, Infanta de Espanha, que em 1785, no âmbito de uma política de reforço de laços diplomáticos e familiares entre as monarquias ibéricas, contrairia casamento com o Infante de Portugal, D. João de Bragança (17-1826). Com apenas dez anos de idade deixaria a sua terra natal, passando, a partir de então, a fazer parte integrante da família real portuguesa. A morte do filho primogénito de D. Maria I (1734-1816), o Príncipe D. José (1761-1788), em 1788, traria o casal para o primeiro plano da vida política portuguesa, agora como Príncipes do Brasil, Príncipes Regentes, a partir de 1792, e, mais tarde, Reis de Portugal, Brasil e dos Algarves, após a morte da soberana, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1816.Poucos monarcas tiveram reinado tão atribulado, como o que calhou a D. João, agitado pelas ondas de choque da Revolução Francesa de 1789, e pelas sequentes invasões napoleónicas, que determinaram a transferência da corte para o Brasil, a propagação das doutrinas liberais, e, com elas, no regresso ao continente europeu, a imposição da assinatura das Bases da Constituição e da própria Constituição em 1822, documentos que ruíam os fundamento do edifício político e social do Antigo Regime, originando revoltas, golpes, polarizando partidos, promovendo cisões que atingiriam a própria família real.
NOTAS:
Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor: "Orlando Furioso": o exemplo de um livro com história
A Biblioteca da Ajuda assinala este dia com uma obra que é simultaneamente exemplar da sua colecção, paradigma da poesia épica / romance de cavalaria e do processo tipográfico associado a edições antigas: Orlando Furioso de Ludovico Ariosto, Lião, 1561.
Mantém uma estrutura fixa, com ‘declaração’/argumento a anteceder cada canto e uma gravura alusiva à narrativa poética que ali começa:
O ex. escolhido apresenta-se mutilado, o que levou à cópia manuscrita das pp. em falta. Esta particularidade é
clarificada pela sua proveniência histórica: livro de ensino num colégio
jesuíta com uma livraria pública, S. Roque, poderá ter servido o Colégio dos
Nobres e sido incorporado na Biblioteca por esta via. Particular é também o facto de ser uma doação de Lopo Soares, um ainda anónimo
bibliófilo do séc. XVI (provavelmente) que é recordado num número relativamente
alargado dos livros de S. Roque que chegaram à Biblioteca Real.
A encadernação, em pergaminho simples, que terá sido reencadernada para a inclusão de folhas em branco iniciais com a cópia manuscrita, remete também para este ambiente de biblioteca escolar pública e indiretamente para a atualidade do ensino jesuíta que emparelha o conhecimento das fontes clássicas linguísticas e das obras ‘modernas’ que se tornaram clássicas com conteúdo narrativo atraente para os jovens.
A divulgação exponencial desta obra no mercado livreiro europeu, e principalmente espanhol e francês, é um dos factores que explicam a sua vasta influência em autores e obras do património clássico mundial, como Cervantes – que criticou a 1ª tradução espanhola logo em 1550 -, Torquato Tasso, Shakespeare, Voltaire e mesmo Camões. A sua permanência destacada na história da literatura europeia, as múltiplas traduções, a influência sobre o teatro, principalmente francês, atestam a sua caracterização como obra prima da literatura mundial, exemplar também da especificidade dos impressos antigos.
FG@BA
DIA INTERNACIONAL DO LIVRO INFANTIL
Comemora-se hoje, dia 2 de Abril, o Dia Internacional do Livro Infantil, data que desde 1967 lembra mundialmente o nascimento (1805) de um dos principais autores deste género de literatura: Hans Christian Anderson. O aparecimento e desenvolvimento de uma literatura especificamente dirigida às crianças e jovens é coetâneo da 'revolução' da imagem da infância no séc. XVIII, entendendo-se como um ser com características próprias e não apenas um adulto em miniatura. Por outro lado, as primeiras obras deste género com grande difusão têm origem na tradição oral e adaptam no séc. XIX e XX fábulas, contos morais, histórias fantasistas com recurso a seres imaginários ou imaginados.
Nos séculos XV a XVII, o aparecimento da imprensa permitiu uma maior difusão das ideias numa sociedade pouco letrada e o contacto direto com os autores do período clássico desde aí traduzidos de originais gregos para latim. É um destes livros, de uma 'proto literatura' infantil, que hoje tiramos da estante para aqui mostrar. É uma obra do séc. XV, do início da imprensa e por isso chamada de incunábulo que recolhe a tradução latina da maioria das fábulas de Esopo e a sua biografia. Reconhecemos várias das histórias que contém, com ligeiras variações, em quase todas as línguas da Europa. Neste exemplar o acesso infantil está marcado nas suas páginas pelo que parece ser um "treino de assinatura" da sua proprietária "Lucretia Borghese". A pintura das ilustrações é também um dos elementos que nos remetem para a literatura infantil.
[Aesopi Vita et fabulae..] / [trad. lat.] Francisco Tuppo. - Napoli : [Francisco Tuppo e Germani Fidelissimi], 1485 Fevereiro 13. - [158] f. il. ; 2°. — Assin.: a6 b10 c8 e6 f6. — Pert.: Lucrezia Bolognese.. [ms.]Colofão: ‘‘Impresse Neapoli ...sub anno domini M. CCCC. LXXXV. die XIII mensis Februarii’’.
BA 48-X-12