Práticas e Representações Femininas na Diplomacia Europeia dos séculos XVIII a XX: Perspetivas Historiográficas e Testemunhos documentais da Biblioteca da Ajuda
Não quisemos passar a data sem relembramos a importância do contributo feminino nas relações internacionais ao longo da história. Frequentemente relegadas a um papel secundário na historiografia tradicional, diversas mulheres desempenharam funções cruciais na diplomacia mundial entre os séculos XVIII e XX, influenciando decisões políticas e promovendo o entendimento entre nações.
No âmbito desta data tão significativa, destacamos três figuras históricas femininas entre inúmeras, que ao longo dos séculos, através do seu papel e influência no contexto diplomático, contribuíram significativamente para o desenvolvimento social, cultural e político da época em que viveram
Catarina II da Rússia (1729–1796)
Nascida em Stettin, Pomerânia, e filha do general prussiano Cristiano Augusto de AnhaltZerbst, governador da cidade, foi batizada como Sofia Frederica Augusta, tornando-se posteriormente, a czarina Catarina II que, ao longo de trinta e quatro anos, foi responsável pelo Império Russo, potenciando o legado do seu antecessor, Pedro, o Grande (1672-1725). Conhecida pela sua política expansionista, Catarina, a Grande, reforçou a posição da Rússia na Europa através de tratados e alianças estratégicas. O papel relevante desempenhado por Catarina II da Rússia na diplomacia europeia do séc. XVIII, pode ser confirmado em vários manuscritos pertencentes ao acervo da Biblioteca da Ajuda, conforme demonstram alguns dos exemplos dos quais destacamos:
1781, janeiro 18, Londres
Notícia [cópia de época] da abertura de um acordo entre Inglaterra e Holanda por mediação da Imperatriz da Rússia [Catarina II]. [em francês]
Ms. Av. 54-IX-13, n.º 43
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54-IX-13, n.º 43, p.1 |
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54-IX-13, n.º 43, p.2 |
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54-IX-13, n.º 43, p.3 |
D. Maria II (1819–1853)
Rainha de Portugal e dos Algarves, D. Maria II desempenhou um papel crucial na consolidação do regime constitucional em Portugal. A sua correspondência com monarcas europeus, como a Rainha Vitória do Reino Unido, revela uma atuação diplomática significativa na manutenção de relações internacionais durante o seu reinado. Internamente, a sua ação assertiva na busca da estabilidade do reino, desencadeou consideráveis expectativas por parte de muitos dos que exerciam funções adstritas à sua governação, conforme mostra uma carta datada de 09 de junho de 1847 de Edwin John Johnston,
diplomata britânico destacado em Portugal, servindo como cônsul no Porto na sequência da Revolução
da Maria da Fonte, dirigida ao Duque de Saldanha [1º, D. João Carlos de Saldanha] admirando-se de não ter até à data recebido qualquer informação quanto às intenções da Rainha [D. Maria II] para com os revoltosos “…a menos que algo tivesse acontecido ao vapor que trazia as notícias.” [tradução nossa]:
BA 54-VI-9, n.º 11, fl. 2
BA 54-VI-9, n.º 11, fl. 2v-3
BA 54-VI-9, n.º 11, fl.3v-4
BA 54-VI-9, n.º 11, fl. 4v-5
BA 54-VI-9, n.º 11, fl. 5v-6BA 54-VI-9, n.º 11, fl. 6v-7
BA 54-VI-9, n.º 11, fl. 7v
D. Maria Pia de Saboia (1847–1911)
Rainha consorte de Portugal pelo casamento com D. Luís I, D. Maria Pia desenvolveu várias ações na área
da diplomacia que reforçaram os laços entre Portugal e Itália, sua terra natal. Enquanto figura de "bastidores" atenta ao ambiente político-social que a rodeava, exerceu influência direta ou indiretamente
em muitas das ações tomadas por D. Luís, alertando-o inclusive para o evoluir de potenciais ameaças à
estabilidade interna do país, conforme é possível observar através do telegrama que enviou ao marido,
datado de 13 maio de 1868, em cifra em francês e português, com a notícia de que “…as coisas estão do
mais sérias…”, provavelmente referindo-se à crise político-social que culminou na
chamada Janeirinha, revolta liberal que eclodiu em janeiro de 1868, assumindo particular intensidade a
partir de maio desse ano.
BA 54-XIII-22, n.º 36
Em suma, as figuras históricas femininas que hoje destacamos, dentre tantas outras que poderíamos
destacar, ilustram que a diplomacia transcende os tratados e atos oficiais predominantemente
masculinos, integrando igualmente o contributo decisivo de mulheres cuja influência marcou a política
internacional, frequentemente nos bastidores dos palácios e cortes.
TM@BA