Sabia que em 20 de Janeiro de 1912 foi oficialmente decretada a reabertura da Biblioteca da Ajuda após o encerramento determinado pelo Inventário Judicial do Paço da Ajuda (que decorreu entre 1911 e 1913).
Esta 'reabertura', publicada por Decreto do Ministério do Interior, no "Diário de Governo" de 2 de fevereiro de 1912, foi fundamentada na necessidade de tornar acessível a colecção à sua guarda, à época de cerca de 80.000 volumes, "aos estudiosos" que dela necessitam. Por outro lado, é destacada a natureza especial da biblioteca que passa a estar integrada nas "Bibliotecas Eruditas e Arquivos".
"(…) entrega ao mencionado official bibliographo [Jordão
Apolinário de Freitas], mas só para o effeito dos seus subordinados e elle
trabalharem n'ella, no sentido dito, de preparar trabalho para o arrolamento, e
não para ella ser aberta ao público."
Sobre a história diária desta abertura, contada na primeira
pessoa, num contexto de enormes alterações político-administrativas, damos aqui
conta de um ofício de Jordão de Freitas, Oficial Bibliógrafo (com
responsabilidades de direcção), que acentua a necessidade desta Biblioteca para
a investigação e, por isso, a sua abertura efetiva ao público:
Doc. nº NN , fl.
NN:
De: Biblioteca da Ajuda- ass. Jordão de Freitas; Para: Inspector das Bibliothecas Eruditas e Arquivos [Júlio Dantas]
Resposta ao ofício nº 303. "(…) infelizmente, e sob pena de assumir a responsabilidade de um conflicto de jurisdição com o Sr. Juiz Arrolador dos bens mobiliários existentes no Paço d'Ajuda, me acho inhibido de cumprir as ordens de V. Ex.ª.
As condições em que este magistrado [Juiz Arrolador] me fez a entrega desta Biblioteca no dia 13 de Fevereiro do ano corrente e de que imediatamente dei conhecimento ao Inspector Interior, antecessor de V. Ex.ª, impõem-me a obrigação, entre outras, de não fazer sair, nem permitir a saída de, qualquer volume desta Biblioteca sem autorização ou ordem delle; a qual, por sua vez só pode ser dada / / depois de a haver recebido do Ministério da Justiça.
Em consequência de taes condições, os próprios estudiosos – em attenção aos quaes esta Bibliotheca foi mandada reabrir por Decreto de 20 de Janeiro último – não podem entrar neste estabelecimento sem iguaes formalidades." [Arq. Hist. BA, D-480, Correspondência, nº1, de Nov. 1905 a Dez. 1923].
Finalmente, em 17 de Fevereiro de 1913 - mais de um ano depois do Decreto que a determinou e apenas após a finalização do arrolamento judicial do Paço da Ajuda - a abertura ao público da BA aconteceu efetivamente, com regulamentação específica, e foi assim comunicada ao seu 'Director':
Doc. nº NN, fl. NN: Of. nº 202, L.º 4º - dactiloscrito de 10 de Fevereiro de 1913
De: "Secretaria Geral das Bibliotecas e Arquivos Nacionais" – O Inspector das Bibliotecas Eruditas e Arquivos (ass.) Júlio Dantas Para: Oficial-Bibliógrafo da Biblioteca da Ajuda [Jordão de Freitas]
" (…) digne-se V. Ex.ª promover as providencias julgadas indispensáveis para que, a partir do próximo dia 17 do corrente, a referida Biblioteca da Ajuda seja aberta á leitura pública, das 10 às 16 horas, observando-se todas as determinações da legislação em vigor, e mais as seguintes instrucções aconselhadas pelas circunstâncias: 1º - o acesso do público será limitado à primeira sala da Biblioteca; 2º - Só serão fornecidas à consulta pública as espécies que, no último arrolamento, se verificou pertencerem ao Estado; 3º - Não se removerão do logar [sic] onde se encontram os objectos que ao Estado não pertençam; 4º - não serão levantados os selos apostos pelo digno juiz arrolador." [Arq. Hist. BA, D-480, Correspondência, nº1, de Nov. 1905 a Dez. 1923].
Começamos, assim, uma série de testemunhos documentais da vida pós-monárquica desta instituição que chegou até nós: a Biblioteca Pública da Ajuda, nascida em berço real emancipou-se republicanamente sem perder o seu estatuto "especial".