O homem que falava com os anjos
John Dee, matemático, astrónomo, geógrafo, perito em
navegação e, mais tarde, astrólogo e ocultista do período Tudor, foi
homenageado pelo Royal College of Physicians (Londres), no primeiro semestre do
corrente ano, com a exposição “Scholar,courtier, magician: the lost library of John Dee”.
John Dee estudou no St. John’s College, Cambridge, viajou
pela Europa, prosseguiu estudos em Lovaina e lecionou em Paris. Regressado a
Inglaterra, privou com as elites do seu tempo, tendo sido conselheiro
científico e confidente da rainha Isabel I. A ele se atribui a criação da
designação “British Empire” (Império Britânico), pelo encorajamento ativo ao
domínio britânico de terras que então se julgavam de ninguém.
Publicou “Memórias Gerais e Raras no que concerne a Perfeita
Arte da Navegação”(1577) e, já desiludido com a ciência, dada a impossibilidade
de encontrar respostas para os “segredos da
criação”, deixou-se seduzir pelo sobrenatural
e o oculto, o epicentro, desde então, do seu estudo. Escreveu “Monas Hieroglyphica” – tratado hermético -,
após longa pesquisa de “Steganographia” (alfabeto secreto) de J. Tritheme,
um dos mestres de Paracelso.
A biblioteca particular de Dee, composta por cerca de 4000
volumes, era certamente uma das maiores da Europa; o seu trabalho refletiu uma
vasta e inquestionável erudição.
Conhece Edward Kelly (1555 –
1597), em 1582, que muito o impressionou com os seus talentos mágicos, e fez
deste seu assistente, muito pela capacidade que este exibia em contactar com os
anjos, criaturas espirituais e detentores de ligação à sabedoria espiritual “perdida”
no mais recôndito dos textos antigos: o Livro de Enoch.
Dedicaram-se ambos à elaboração da
língua angélica, adâmica, enoquiana – formulando os respetivos alfabeto,
sintaxe e gramática – no sentido de uma interpretação cabalística que explicasse
a unidade mística da criação.
Físico e feiticeiro, a (quase) todos
maravilhando, John Dee usava nas suas inúmeras sessões espirituais um espelho
negro (“obsidian black mirror”) e uma bola de cristal (“scryer”), objetos ainda
hoje guardados em museu e interditos a qualquer utilização.
Abordar a ciência e o
sobrenatural, estabelecendo-lhes complementaridade, foi (e ainda é) um
empreendimento tentador e de risco, agitador que é das ordens instituídas, do
poder e do saber.
Alfabeto enoquiano
Jonh Dee acreditava
na autenticidade do seu trabalho e nos benefícios dos seus resultados para a
posteridade, pelo que registou, em cadernos, toda a informação por si
pesquisada e divulgada.
Admirado por muitos,
soçobrou, contudo, à humilhação do epíteto, por alguns criado, de mágico malévolo,
insulto à sua religiosidade. Viveu os seus últimos anos na miséria.
“Who does not understand should either learn, or be
silent.”
John Dee
A Biblioteca da Ajuda associa-se à iniciativa de homenagem a John Dee, selecionando do seu acervo e recomendando aos seus leitores a obra:
LE CLERC, Daniel, 1652-1728
Histoire de la Medecine : ou lónt voit l'Origine & le Progrés de cet Art, de siécle en siécle; les sectes, que s'y font formées; les noms des Médecins, leurs découvertes, leurs opinions, & les circonstances les plus remarquables de leur vie. / Par Daniel Le Clerc. - nouvelle édition, revue, corrigée et augmentée par l'Auteur en divers endroits, & surtout d'un plan pour servir à la continuation de cette Histoire dépuis la fin du siécle II jusques au millieu du XVII.. - a la Haye : Chez Isaac van der Kloot, M. D. CCXXIX. - [20], 820, [20] p. : Il; 4º (25 cm) - Frontispício gravado com motivo alegórico e a inscrição "Histoire de la Medecine"
37-X-47 (BA). - Pert.: Ex Bibliotheca Congregationis Oratorii apud Regiam Domum B. M. Virginis de Necessitabus.